quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Chuva.

"Dormiu ao relento desejando não acordar na manhã seguinte" - Essas frases que aparecem estampadas para que os nossos olhos leiam, para que os meus olhos leiam em algum momento, me fazem intrigas.

Por todos os tempos em que tudo pareceu tão sem sentido quanto a minha respiração, que eu via cada vez mais sem sentido para mim e para o resto do mundo. Eu tive a chuva como a minha companheira, a minha amante fiel, minha confidente, minha puta, durante muitas noites em que nada fazia sentido - exceto ela.

E todas essas noites eu me perguntava, até quando eu vou permitir a falta de sentido, até mesmo onde não procuro sentindo algum.

Por mais relutante que fosse respirar naquelas noites, por mais esforço que eu fizera por não deixar o meu organismo viver, não sustentar os meus póros, tampouco as minhas células com qualquer elemento que pudesse me dar vida, fazer meu coração bater mais forte e fazer eu me sentir eu, toda vez que a água respingava na minha janela, algo me dizia que talvez esse fosse o sentido das coisas.

Eu nunca me deixei viver, de fato. Em cada relutância que eu tinha comigo mesma, em cada esquivada do meu espelho pessoal, cada desculpa que eu dava para mim em não aceitar o que eu me permiti tornar, eu fazia da minha existência a circunstância mais sem sentido que eu já pudera sentir.

E foi na calma - que só a chuva soube me dar - que eu aprendi a empilhar meus medos. E sobretudo, a raiva de mim. Aprendi o sentido de viver o que se é, e não o que se pode ser.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Chovendo.

Não há chuva no céu de secas eternas. Há água que cai. E como não atinar essa delicada ousadia das gotas de água? Em um leve impasse, desprendem-se de todo o conjunto para cair no deslize do ar. E assistindo às gotas caírem como se caí uma folha, penso que assim como elas, posso eu também ser livre. Mesmo que a liberdade seja efêmera. Como a água que caí do céu, caindo suavemente dentro de mim, antes mesmo que possa cair em solo, e pertencer à raízes, à carnes, aos mares.

domingo, 24 de outubro de 2010

Mims.

Aceitei me sentar perto daquela pessoa que eu não conhecia ao certo. E olhando nos seus olhos, também aceitei contar-lhe a minha vida. Meus medos. Meus desejos. Minhas saudades. Era uma pessoa como qualquer outra, mas reconfortante. Não a conhecia muito bem, mas me completou. E conversamos, e nos tocamos.

Nos entendemos, e ela me disse frases de visionários - "A vida é feita de orgulho e incosciência". Falou por mim. Alguém, além dela, falou por mim. Na incosciência estava o impulso, que estava eu. Senti saudades dos meus impulsos que me fizeram viver. Deixei rolar a música que me trouxe uma saudade incerta. Algo desconhecido. Sem nome. Sem forma. Transparente. Não desejei além da noite em que estava, nada além do lugar em que estava, nada além de mim.

Quis me afundar no mar da música, dos meus impulsos, do desconhecido. De tudo aquilo que eu não me permito conhecer, do que a minha mão não me entrega. Foi quando abri os olhos, levantei da cadeira e bati de frente para o espelho. Não me vi, mas me reconheci, e era a pessoa com quem conversara antes. Descobri que ao menos era capaz de conhecer meus próprios segredos. E o que é isso na verdade? Não é nada. Tudo o que eu era, resumia-se em uma pergunta - qual a vida que você teve antes de ser você?

Tudo o que eu era, era lembrar do que eu permiti que fosse feito de mim. Mas tudo o que eu era, eu desconhecia. E assim seria. Fiz do tempo o que o tempo me permitiu com o tempo. Jamais saí no mundo, se ao menos saí de mim.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Casamento.

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinho na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como “este foi difícil”
“prateou no ar dando rabanadas”
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

Adélia Prado

domingo, 29 de agosto de 2010

Não é assim.

Creio que a abstinência opcional da realidade seja a maior maneira de falsa auto-proteção que os sensíveis sociais adquirem com o passar do tempo. Ou melhor dizendo, o descaso e a deslealdade são escondidos pela carência do indivíduo.

Você acorda. Escova os seus dentes e senta-se para o café. Tudo isso pois tudo isso tem de ser feito. Afinal, todos fazem. Vai para o trabalho, e durante o caminho já fatigante, você se força a aceitar ou até mesmo gostar, de situações que apareceram na sua vida. Afinal, todos passam por isso um dia. Você empurra com a barriga o seu trabalho remunerado por si próprio, mas que até dá para pagar as contas lá de casa. E daqui seis mêses, você poderá ter trinta dias de descanso. Afinal, todos os seus amigos trabalham para isso. Mas, felizmente, hoje é sexta-feira! Tem aquela festa que a sua mulher tanto esperou, só para usar aquele vestido vermelho. E você, encontrar os seus velhos amigos, com as mesmas intenções de sempre: o nada. A festa acaba, vocês transam em casa como de costume, e segunda-feira será tudo igual novamente. Talvez, em algum desses seus trinta dias de férias, você pare para pensar. E pense que em todo momento, pensou nada. Que o seu tudo, foi nada. Que tudo não faz sentido algum. Você se permitiu. Afinal, a vida é assim, não é mesmo?

A crítica não é ao estilo de vida burguês. Ou aquele que a maioria busca. Mas sim, ao modo como se leva a vida, esteja ela como estiver. O fato de viver de olhos fechados, talvez seja para sentir menos dor. O ser humano vive em busca de métodos que façam com que a vida fique mais leve, como a religião. Pior do que essa, só a opção de se fazer inferior a verdade de si mesmo, mesmo esta não sendo uma conquista metódica.

E por fim:

"O homem é mais sensível ao desprezo que vem dos outros do que ao que vem de si mesmo."

Nietzsche
"Penso noventa e nove vezes e nada descubro; deixo de pensar, mergulho em profundo silêncio - e eis que a verdade se me revela."

domingo, 8 de agosto de 2010

Para o amor.

Eu vou te contar. Mas em tom baixo, de longe do seu ouvido, que é pra você me ver bem. Para ser sincera, eu ainda estou pensando nas palavras certas, porque eu não quero te dar meus erros, meus enganos. Mas eu só tenho a vontade da informação. Te informar quem sou, na verdade.

Espero que esteja sentado. Não quero te assustar. O que eu quero dizer é que você conheceu uma pessoa estranha, não a mim. Você não me conheceu porque hoje eu me condensei em você. Hoje eu já mudei.

Não queria que você se assustasse por eu já ter sido duas. A diferença é que o que eu sou hoje não é mais meu. É seu. Não sou você. E me sinto tão você por querer te ser em mim. Te ser. Te tecer em mim. Te ter. Eu me sinto você, por te amar assim.

Pequenos.

Além de cor de laranja, a minha infância também foi grande. Tudo era maior, como costuma ser para as crianças. As paredes nos davam um espaço imenso. Talvez um espaço correspondente ao espaço livre que eu tinha dentro de mim. Aquele tipo de liberdade que vem da ingenuidade.

Com o passar do tempo, o espaço foi se comprimindo. Gradativamente. Ao mesmo modo que um balão infla, mas para isso precisa de ar. O mesmo ar que comprime o interior daquela matéria.

A gente deveria se sentir assim, em alguns momentos. Nos faz perceber que éramos grandes enquanto pequenos. Que talvez o que achamos essencial, como o ar para o balão, não seja de fato assim. O balão continuará sendo balão. Com ou sem o ar que o comprime. Isso acontece pela lei natural da vida. Estamos definitivamente trancados. Sem ninguém impor. Sem ninguém pedir. Sem querer. Apenas estamos.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Minha mentira.

"Mentimos para proteger alguém", era o que estava escrito na sinopse de um livro solto na livraria. Me arrependo de não ter anotado nada além da frase na memória, folheado o livro e procurado mais explicações que inexplicavelmente serviriam de entendimento para futuras auto-perguntas.

Lendo esta frase, eu pude resumir as minhas mentiras em proteção, e aí senti um certo conforto falso. Era o conforto de agir por amor, digamos assim, com atos relativamente grandes. Mas era falso por se tratar de uma coisa feia, que é a mentira.

Eu me senti como uma mãe que ainda não pariu, por descobrir que muitos dos meus erros não foram cometidos pensando apenas em mim, mas em quem amo também. Obviamente tal argumento está descartado das justificativas dos meus atos passados. E dos futuros também, é claro. Agi por amor sem saber e com um número incontável de filhos que tive. Eu acabei me tornando filha de mim mesma, mas isso não interessa.

O que interessa é saber que até o pior de mim talvez seja feito de amor também. E a minha mentira ou a minha verdade continuarão intactas, independentemente da minha crença.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Mudei

Eu mudo muito. E rápido. E isso me assusta um pouco. Mudo o meu jeito de escrever, o meu jeito de pensar e o meu jeito de agir. Às vezes eu mudo o meu jeito de amar e as pessoas que amo. Tenho algum tipo de inconstância que é minha de uma tal forma que eu não acredito que seja minha. Me transformo tanto que não aceito ler textos antigos. Não são mais meus, então os deleto. Acharia mais bonito dizer que os queimei, mas às vezes me esqueço que vivo no século XXI.

E por falar em mudança, lembrei de uma frase. Desconheço o autor por pura preguiça, mas a minha amiga sempre repete: "Muda, que quando a gente muda, o mundo muda com a gente." E também por falar em mudança de mundo, o meu mudou. Mudou a tal ponto de eu sentir falta da dor para poder me sentir. Mas acabei de me descobrir, e em me descobrir, eu descobri outros jeitos de descobrir o meu mundo e o lá de fora. Agora estou me sentindo assim, mudada.

A minha vida agora tem cor de laranja, como o céu que tenho visto nos últimos dias. Nunca vi o sol tão grande. Ele é tão grande quanto as várias novas sensações que eu vou sentindo durante o tempo que passa. Passei a gostar de ver o tempo passar sem eu passar junto com ele. E quando eu lembro da minha infância, eu também vejo cor de laranja. Talvez eu esteja voltando na mesma inocência da minha infância. Só que dessa vez, há o paradoxo de uma inocência impura.

Já é alguma mudança...